sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Os pacotes das relações entre China e África

Por: Fernando Casimiro
África é um continente e a China um extenso país, o mais populoso do mundo.
A China é um império, povoou regiões do continente asiático, levou os seus usos e costumes a outras terras e povos do mundo.
A China define-se como uma República Popular, dirigida por um Partido comunista. De popular talvez o facto de ser o mais populoso do mundo. De orientações comunistas talvez pelo facto do Partido que dirige o país ainda continuar a chamar-se Partido Comunista Chinês.
A China que se conhece não é a China onde os chineses têm liberdades, direitos e garantias como cidadãos com direitos e deveres num Estado de Direito.
A China que se vê emergir não é uma China com estruturas económicas e de desenvolvimento do tipo-padrão que caracterizam as economias e sociedades comunistas, mas sim as economias e sociedades capitalistas.
A China tem jogado uma estratégia entre a sustentação das ideologias comunistas para fugir à responsabilização dos critérios da abertura à democratização mas, em simultâneo, tem acelerado as suas reformas económicas seguindo precisamente orientações antagónicas à ideologia comunista e assentes na definição prática dos conceitos macroeconómicos da ideologias capitalistas.
A necessidade de se modernizar para melhor se expandir, fez com que a China projectasse uma política externa digna do termo, tendo como base a sustentabilidade dos seus negócios e a rentabilidade do capital nos pacotes das várias estratégias definidas consoante a zona de interesse e de intervenção.
A China definiu a sua estratégia de crescimento e de desenvolvimento, tendo como propósito disputar com as principais potências mundiais a garantia das reservas das principais matérias primas energéticas que sustentam o desenvolvimento industrial a nível mundial. É esta garantia e controlo de reservas de matérias primas energéticas que fazem a diferença e farão cada vez mais, na determinação e sustentação das superpotências.
Um espaço privilegiado e com variadíssimas reservas de produtos minerais energéticos é precisamente o continente africano.
Privilegiado por não ser concorrente na busca de garantias de um futuro melhor para os africanos e por assim dizer, não definir políticas de desenvolvimento com aproveitamento próprio dos seus recursos minerais energéticos, como também, por deixar que se explorem as suas riquezas a troco de contrapartidas financeiras que nunca vão de encontro aos valores dos produtos e muito menos da salvaguarda e benefício de interesses dos povos e países africanos, mas sim dos seus governantes.
A China estudou o percurso europeu em África tanto da época da colonização, como das revoluções e do período de estabelecimento de afinidades numa nova relação das antigas potências coloniais com os novos países africanos.
A China sabe que muito do sucesso do desenvolvimento da Europa teve como base de sustentação o continente africano não só pelos seus recursos naturais, mas também pelos seus recursos humanos.
A China sabe igualmente que a Europa pouco investiu na valorização do continente africano, particularmente nos seus recursos humanos, atitude esta no sentido de se criar uma dependência crónica entre a Europa e a África no que ao domínio tecnológico e ao controle do dirigismo das iniciativas de desenvolvimento diz respeito.
A China sabe o que os europeus deixaram em África, mas também o que levaram e têm levado de África.
A China sabe o que os europeus têm dado hoje em dia a África mas sabe, acima de tudo, o que os governantes africanos preferem receber mas que o critério dos programas de cooperação dos países europeus nem sempre aprova.
De estudo em estudo, a China criou e definiu pacotes na sua missão de parceria estratégica com a África, não para ajudar o continente africano a desenvolver-se, mas sim, tal como na época da colonização europeia, também ela, a China, aproveitar-se das riquezas de África para sustentar as necessidades enormes da sua rede de desenvolvimento, cujas reservas dependem essencialmente de matérias primas energéticas que a China necessita em grandes quantidades.
Se outrora os africanos foram enganados pelas artimanhas dos primeiros colonizadores europeus, hoje, a táctica da China consiste em financiar projectos nem sempre propostos pelos governantes africanos, mas incluídos em pacotes de oferta apresentados pela China, numa reposição clara da estratégia colonial.
Sabe-se que a China faz deslocar todos os meios para concretizar/executar os projectos anunciados, desde simples pregos até mão de obra.
Sabe-se que a China consegue desta forma exportar os seus produtos sem ter concorrência ou restrição e rentabilizar todo o investimento porquanto o dinheiro aplicado ser uma estratégia de engenharia financeira com contrapartidas superiores ao investimento e, sobretudo, com retorno total à proveniência: China!
A China estudou igualmente a questão das relações internacionais e tem-se aproveitado da ambiguidade de posicionamentos e conveniências quer dos europeus, quer dos americanos para, na sombra, tirar proveito da sustentação da sua política de indiferença quanto aos direitos humanos e, assim, fugir à linha da não indiferença pela ingerência nos assuntos internos, como forma de salvaguardar uma relação de promiscuidade com os regimes ditatoriais africanos e em defesa dos seus interesses, ou não fosse a China exemplo reconhecido de atropelos aos direitos humanos!
No entanto, esta forma de agir da China não é estranha ao mundo dito desenvolvido, que cada vez mais se insurge contra as investidas da China no continente africano.
Esta atitude quer da Europa quer dos Estados Unidos de denunciar a pretensa hipoteca das reservas minerais energéticas de África pela China, da forma como tem sido feita, só surge devido ao sucesso da política externa chinesa, concretamente dos pacotes para África e que têm surtido efeito na implantação estrutural da China no continente negro.
Se as movimentações chinesas estão a conseguir viciar os conceitos de cooperação entre nações e povos, muito disso resulta por culpa das estratégias erradas de relacionamento com África e com os africanos, tanto por parte da Europa, como dos Estados Unidos.
Uma estratégia sempre baseada em contrapartidas materiais imediatas, sem considerandos práticos no assumir de princípios e na defesa de valores universais que moralizem as boas práticas que tanto a Europa, quer os Estados Unidos defendem para si.
As políticas de cooperação traçadas e seguidas pelos governantes africanos são na sua maioria sustentadas por conveniências de planos normalmente elaborados pelos parceiros económicos europeus e americanos. Políticas nem sempre baseadas na transparência e de que hoje se faz uso e abuso em África para dar à China a oportunidade que a Europa e os Estados Unidos, em boa verdade menosprezaram no sentido de fazerem mais e melhor pelo desenvolvimento do continente africano.
Mas se os europeus e americanos não fizeram mais e melhor até aqui, muito menos os chineses conseguirão fazer, sendo que é mais fácil a revisão dos erros estratégicos por parte dos europeus e americanos no sentido de uma nova aposta de desenvolvimento sustentado, baseado em fórmulas de reciprocidade de vantagens igualmente sustentadas, com os países africanos no sentido de um novo marcar de pontos na estratégia de relacionamento com África, do que permitir a expansão chinesa no continente.
Os africanos deverão ter em conta que não há desenvolvimento sustentável sem haver liberdade e as memórias da colonização estarão sempre presentes para clarificar as dúvidas neste sentido.
Quem tiver boas intenções para África, deverá ter boas intenções para os africanos e não olhar simplesmente para as riquezas naturais do continente negro e muito menos sustentar e apoiar ditaduras em África, fechando os olhos às matanças, à fome, às doenças, numa palavra; às desgraças de África e dos africanos vítimas dos seus governantes apoiados pelos interesses das potencias mundiais!
Gostaria de ver África afirmar-se, criando estruturas de desenvolvimento próprio e no terreno, de forma a evitar a dependência. Claro que seria sempre uma estratégia com recurso a parcerias, mas de forma a permitir que África tenha tudo de bom que outros continentes têm!


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